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Oralidade, Memória e História: o Tradicional na Modernidade na Preservação da Cultura Ancestral



UNIVERSIDADE FEDERAL DO ACRE – UFAC
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS GRADUAÇÃO
MESTRADO EM LETRAS: LINGUAGEM E IDENTIDADE
ÁREA DE CONCETRAÇÃO: CULTURA E SOCIEDADE









Oralidade, Memória e História: o Tradicional na Modernidade na Preservação da Cultura Ancestral







Rio Branco, Acre, outubro de 2010

Maria das Graças Costa Silva










Oralidade, Memória e História: o Tradicional na Modernidade na Preservação da Cultura Ancestral



Projeto de pesquisa a ser apresentado a banca examinadora para obtenção de uma vaga no Curso de Mestrado em Letras: Linguagem e Identidade na Amazônia.
Orientadora: Professora Doutora Simone de Souza Lima






Rio Branco, Acre, novembro de 2010
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO
1.1  APRESENTAÇÃO DO TEMA PROBLEMA
1.2  JUSTIFICATIVA
1.3  OBJETIVOS
1.3.1     OBJETIVO GERAL
1.3.2     OBJETIVO ESPECIFICO
2      FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
2.1  O IMAGINÁRIO COLONIAL
2.2  O SISTEMA COLONIAL
2.3  O REGIME TUTELAR
2.4  O SÉCULO XX E O IMAGINÁRIO SOBRE OS INIDGENAS
3      METODOLOGIA
3.1  CARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA
3.2  POPULAÇÃO E AMOSTRA
3.3  TÉCNICA DE COLETA DE DADOS
4      RESULTADOS ESPERADOS
5      CRONOGRAMA
6      BIBLIOGRAFIA





RESUMO
A oralidade, modo de ensinamento, memória retração de histórias vividas, contadas, práticas de culturas ancestrais que no imaginário do Europeu era uma visão inexistencial e a história contada pelo europeu não podia traduzir para fora e nem podia deixar permanecer e nem frutificar as práticas culturais ancestrais. Tudo isso foi sendo modificado de forma violenta, introduzindo num modo de vida diferente novos pensamentos através da força. A cultura indígena causou espanto, incomodou o colonizador que com a catequese e a criação de um novo sistema de comunicação entre os mesmos tentou civilizar, integrar, mais na resistência de grupos a cultura sobreviveu, não como era antes, mas fragmentada, modificada pelo ocidentalismo. O Projeto de pesquisa visa através de estudo de caso investigar e diagnosticar o que da cultura ancestral ainda é praticada no tempo atual, o que da ocidentalidade é aproveitado para garantir a permanência da cultura viva. Para a realização da pesquisa será adotada uma metodologia de estudo de caso, mas também terá um caráter bibliográfico, uma vez que serão analisados documentos com referencia ao tema e outras fontes bibliográficas para tentar compreender e discutir os fenômenos observados que no passado serviu para reduzir, baixar estima e hoje está sendo motivo de levar os índios a ter orgulho de ser índio, motivando povos, causando o que os autores estão chamando de etnogênese ou ressurgimento. É comum hoje ver indígena exibindo traços de sua cultura nos meios urbanos, em eventos, então o objeto da pesquisa visa diagnosticar os problemas na atualidade enfrentados pelos Povos Indígenas e poder contribuir para uma política mais equitativa.
Palavras chaves: colonialismo – etnicidade – ancestralidade – cultura – modernidade.

Oralidade, Memória e História: o Tradicional na Modernidade na Preservação da Cultura Ancestral
1.    INTRODUÇÃO
            1.1 APRESENTAÇÃO DO TEMA PROBLEMA
            Desde a última década do século passado vem ocorrendo no Brasil um fenômeno conhecido como “etnogênese” ou “reetinização”. Nele, povos indígenas que, por pressões políticas, econômicas e religiosas ou por terem sido despojados de suas terras e estigmatizados em função dos seus costumes tradicionais, foram forçados a esconder e a negar suas identidades como estratégia de sobrevivência – assim amenizando as agruras do preconceito e da discriminação – está reassumindo e recriando as suas tradições indígenas.             Esse fenômeno está ocorrendo principalmente na região Nordeste e no sul da região Norte, precisamente no estado do Pará.
            A partir do contato, as culturas dos povos indígenas sofreram profundas modificações, uma vez que dentro das etnias se operaram importantes processos de mudança sociocultural, enfraquecendo sobremaneira as matrizes cosmológicas e míticas em torno das quais girava toda a dinâmica da vida tradicional.
            Neste sentido, os povos indígenas brasileiros de hoje são sobreviventes e resistentes da história de colonização européia, estão em franca recuperação do orgulho e da auto-estima identitária e, como desafio, buscam consolidar um espaço digno na história e na vida multicultural do país e isso só foi possível a partir de 1988, com a promulgação da Constituição Federal do Brasil, onde foram garantidos direitos nunca imagináveis como a de viverem de acordo com seus costumes e tradições em seus territórios ancestrais. Mas como os Povos Indígenas estão conseguindo viver em suas aldeias, praticando costumes ancestrais e introduzindo em suas culturas a modernidade da ocidentalidade, haja vista a necessidades da preservação de suas culturas?
            A oralidade traduz práticas culturais, suas múltiplas possibilidades, histórias, literaturas, linguísticas do povo, saberes subjetividades, como nos ensina Glisant. Como então tudo que é ensinado na oralidade é registrado na modernidade que aos poucos estão sendo introduzido na cultura ancestral? O que realmente tradicional na modernidade, haja vista tanta interferência externa na cultura tradicional?
            .
1.2 JUSTIFICATIVA
            Viver a memória dos ancestrais significa projetar o futuro a partir das riquezas, dos valores, dos conhecimentos e das experiências do passado e do presente, para garantir uma vida melhor e mais abundante para todos os povos Indígenas. Mas essa abundância de vida, buscada por todos passa necessariamente pela manutenção dos seus modos próprios de viver, o que significa formas de organizar trabalhos, de dividir bens, de educar filhos, de contar histórias de vida, de praticar rituais e de tomar decisões sobre a vida coletiva. Dessa maneira, os povos indígenas não são seres ou sociedades do passado. São povos de hoje, que representam uma parcela significativa da população brasileira e que por sua diversidade cultural, territórios, conhecimentos e valores ajudaram a construir o Brasil.
            Segundo uma definição técnica das Nações Unidas, de 1986, as comunidades, os povos e as nações indígenas são aqueles que, contando com uma continuidade histórica das sociedades anteriores à invasão e à colonização que foi desenvolvida em seus territórios, consideram a si mesmos distintos de outros setores da sociedade, e estão decididos a conservar, a desenvolver e a transmitir às gerações futuras seus territórios ancestrais e sua identidade étnica, como base de sua existência continuada como povos, em conformidade com seus próprios padrões culturais, as instituições sociais e os sistemas jurídicos.
                       
            Desde a primeira invasão de Cristóvão Colombo ao continente, a denominação de índios dada aos habitantes nativos dessas terras continua até os dias de hoje. Para muitos brasileiros brancos, a denominação tem um sentido pejorativo, resultado de todo o processo histórico de discriminação e preconceito contra os povos nativos da região. Para eles, o índio representa um ser sem civilização, sem cultura, incapaz, selvagem, preguiçoso, traiçoeiro etc. Para outros ainda, o índio é um ser romântico, protetor das florestas, símbolo da pureza, quase um ser como o das lendas e dos romances.
            Com o surgimento do movimento indígena organizado a partir da década de 1970, os povos indígenas chegaram à conclusão de que era importante manter, aceitar e promover a denominação genérica de índio ou indígena, como uma identidade que une, articula visibiliza e fortalece todos os povos originários do território brasileiro e, principalmente, para demarcar a fronteira étnica e identitária entre eles, enquanto habitantes nativos e originários dessas terras. A partir disso, o sentido pejorativo de índio foi sendo mudado para outro positivo de identidade multiétnica de todos os povos indígenas.
            De pejorativo passou a uma marca identitária capaz de unir povos historicamente distintos e rivais na luta por direitos e interesses comuns. É neste sentido que hoje todos os índios se tratam como parentes.      
            O processo de reafirmação das identidades étnicas, articulado pelo Movimento Indígena no plano estratégico por meio da aceitação da denominação genérica de índios ou indígenas, resultou na recuperação da auto-estima dos povos indígenas perdidas ao longo dos séculos de dominação e escravidão colonial. O índio de hoje é um índio que se orgulha de ser nativo, de ser originário, de ser portador de civilização própria e de pertencer a uma ancestralidade particular. Este sentimento e esta atitude positiva estão provocando o chamado fenômeno da etnogênese, principalmente no Nordeste.             Os povos indígenas, que por força de séculos de repressão colonial escondiam e negavam suas identidades étnicas, agora reivindicam o reconhecimento de suas etnicidade e de suas territorialidades nos marcos do Estado brasileiro.
Palavras chaves: colonialismo – etnicidade – ancestralidade – cultura – modernidade.

1.3 OBJETIVOS
1.3.1 Objetivo Geral
            Diagnosticar os mecanismos utilizados pelos Povos Indígenas em seus territórios para manterem a cultura ancestral dialogar com a modernidade ocidental na traduzir em práticas culturais.

1.3.2 Objetivo Especifico
 Investigar os espaços que são utilizados pelos Povos Indígenas na reivindicação de seus direitos culturais;
 Investigar a visão que os brancos têm da cultura Indígena na atualidade;
 Qualificar as possibilidades de transmissão do saber tradicional e dos conhecimentos ancestrais na modernidade ocidental;
 Identificar os mecanismos que são utilizados pelos Povos Indígenas no dialogo com a cultura ocidental para fortalecimento da cultura ancestral;
Discutir as possíveis implicações da cultura ocidental na cultura tradicional e como fazem para preservar os conhecimentos ancestrais do Povo.
Identificar como os indígenas se auto afirma na atualidade;
Levantar os mecanismo representativo dos indígenas na atualidade e sua relação com o Estado brasileiro;
Diagnosticar a relação do órgão indigenista estatal com os povos indígenas na atualidade;
Verificar como o censo identifica os povos indígenas na atualidade

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
            Neste capítulo, apresentam-se os fundamentos teóricos essenciais da pesquisa. Inicialmente, abordam-se o processo histórico de contato dos Povos Indígenas, o resultado do contato na negação de seus direitos e na busca do Estado Brasileiro para integração do índio a sociedade nacional, a criação do órgão estatal para proteção dos direitos dos índios, e o novo indigenismo protagonizado pelos índios como garantia do reconhecimento de seus direitos e na preservação de seus conhecimentos ancestrais.



2.1 O IMAGINÁRIO COLONIAL
            O contato com vários povos indígenas criou para os europeus a necessidade de compreender e enquadrar essas populações no seu universo mítico e conceitual. Durante o séc. XVI, os relatos sobre o novo mundo identificaram os indígenas como “gentios” (pagãos), “brasis”, “negros da terra” (índios escravizados) e “índios” (índios aldeados) (Cunha, 1993).  
            A primeira descrição da terra e de seus habitantes, realizada pelo escrivão Pero Vaz de Caminha em 1500 enfocou os índios de forma positiva, “comparando-os, velada ou abertamente, aos habitantes do Jardim do Éden” (Bettencourt, 1992:41).
            Na pintura religiosa renascentista o índio, uma vez submetido aos valores cristãos, tornou-se humanizado. O pintor holandês Albert Eckhout representou essa ruptura conceitual na sua obra: nos quadros que retratam índios Tupis e “Tapuios”, os índios “aliados” eram pacíficos, trabalhadores, tinham família, andavam vestidos (foram “domesticados”), estavam acessíveis ao trabalho cotidiano, enquanto os índios “bravos” (bárbaros) eram antropófagos que andavam nus, carregando despojos esquartejados como alimentação e guerreavam os colonizadores.
            A superioridade cristã diante dos nativos “degenerados” justificava a conquista: para mudar costumes e valores, era necessário integrar os nativos ao trabalho colonial. No Brasil, os diferentes tipos de trabalho compulsório dos índios junto aos aldeamentos expressavam os conflitos entre os projetos coloniais dos missionários e os dos colonos, pois envolviam tanto distintas visões sobre os índios, quanto à disputa sobre a posse do trabalho indígena, com a consequente consolidação desses respectivos projetos.
           As “guerras justas” para aprisionamento dos índios hostis tinham sua legislação baseada num imaginário difuso sobre práticas indígenas “bárbaras”  canibalismo, poligamia etc. Tal imaginário era sempre acionado em defesa dos interesses econômicos dos colonos. O confronto dos missionários com pajés supostamente demoníacos tinha raízes no imaginário medieval da luta cristã contra feiticeiros, bruxas. Daí encontrarmos uma iconografia recorrente de mulheres canibais nos textos dos cronistas muito distante da realidade. Há gravuras em que o canibalismo é associado às práticas demoníacas, tudo indicando a necessidade de uma intervenção salvadora, disciplinadora e exterior. Foi com base nessas representações, associadas a argumentações de distintas ordens, que se construiu a crença (que se naturalizou como certeza) do caráter filantrópico e humanitário da intervenção colonizadora.

2.2  O SISTEMA COLONIAL

            O projeto colonial português envolveu uma política indigenista que fragmentava a população autóctone em dois grupos polarizados, os aliados e os inimigos, para os quais eram dirigidas ações e representações contrastantes. O emprego da força permitido pela legislação dependia dessa avaliação, bem como dos contextos e dos interesses (muitas vezes divergentes) da administração portuguesa na metrópole e na colônia. Os procedimentos a serem adotados quanto aos índios do Brasil eram frequentemente objeto de debate em Lisboa, na Bahia e no Maranhão, envolvendo questões como a liberdade ou a escravização, as formas mais adequadas de conversão e as consequências de tudo isso para a colonização do Brasil.
            Não existia, porém em quaisquer das duas hipóteses, seja para os aliados ou inimigos, um reconhecimento da relatividade das culturas nem de espaços significativos de autonomia. Os povos e as famílias indígenas que se tornavam aliados dos portugueses necessitavam ser convertidos à fé cristã, enquanto os “índios bravos” (como eram chamados nos documentos da época) deviam ser subjugados militar e politicamente de forma a garantir o seu processo de catequização. Este tinha por objetivo justificar o projeto colonial como uma iniciativa de natureza ético-religiosa preparando a população autóctone para servir como mão-de-obra nos empreendimentos coloniais (econômicos geopolíticos e militares).
            Os índios que se tornariam aliados (chamados de “mansos” ou “cristãos”) eram aqueles trazidos de suas aldeias através de descimentos, deslocamentos “forçados”, “compulsórios” (Alencastro, 2000:119), e novamente aldeados próximos a povoações coloniais. Aí eram catequizados e civilizados, tornando-se “vassalos d’El Rei”. A ausência de um sistema de escravidão não significava, porém a inexistência de elementos coercitivos (aliás, comuns na pedagogia da época) nem de conflitos na relação entre os missionários e os indígenas. As missões não eram apenas um empreendimento religioso, mas também econômico e político militar. Embora estivessem dirigidos por princípios éticos e religiosos, até mesmo os jesuítas observavam que os índios abandonavam com facilidade os ensinamentos que recebiam nos aldeamentos e retornavam aos sertões, o que contradizia a auto-representação dos missionários como salvadores das almas e portadores da civilização.

2.3 O REGIME TUTELAR
           
            O SPI foi à primeira agência leiga do Estado brasileiro a gerenciar povos indígenas. Embora em muitos momentos os seus ideólogos enunciem os seus princípios de acordo com uma linguagem positivista (e mesmo com uma retórica anticlerical), o modelo indigenista adotado retoma – como herdeiro – formas de administração colonial empregadas desde os tempos dos missionários jesuítas. Os postos indígenas do séc. XX mantêm muito pontos de semelhança com os aldeamentos missionários constituídos desde o séc. XVI. A explicação circunstanciada de algumas regulamentações e a descrição de algumas práticas dos indigenistas no séc. XX permitirão a compreensão dessa genealogia. 

            O Serviço de Proteção aos Índios e Localização de Trabalhadores Nacionais (SPILTN) foi criado a partir das redes sociais que ligavam os integrantes do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio (MAIC), do Apostolado Positivista e do Museu Nacional. Desde sua criação, em 1906, o MAIC previa na sua estrutura a instituição de um “serviço para catequese e civilização dos índios” (Souza Lima, 1997:86). A partir do trabalho nas Comissões de Linhas Telegráficas em Mato Grosso, Cândido Rondon e outros militares positivistas de sua equipe vinham integrando redes de relações políticas regionais e nacionais (Bigio, 2003) vinculadas a instituições civis e a aparelhos governamentais sediados na Capital Federal. Os positivistas ortodoxos, envolvidos nos debates públicos sobre as várias frentes de institucionalização da República, participaram ativamente da polêmica relativa à capacidade (ou não) de evolução dos povos indígenas que, a partir de 1908, fundamentou a discussão dos projetos indigenistas no Brasil.
           
            A administração da vida indígena impôs uma definição legal (jurídica) de índio, formalizada no Código Civil de 1916 e no Decreto nº 5.484, de 1928. Os indígenas passaram a ser tutelados do Estado brasileiro, um direito especial implicando um aparelho administrativo único, mediando às relações índios- Estado sociedade nacional. “As terras ocupadas por indígenas, bem como o seu próprio ritmo de vida, as formas admitidas de sociabilidade, os mecanismos de representação política e as suas relações com os não-índios passam a ser administradas por funcionários estatais; estabelece-se um regime tutelar do que resulta o reconhecimento pelos próprios sujeitos de uma ‘indianidade’ genérica, condição que passam a partilhar com outros índios, igualmente objeto da mesma relação tutelar” (Pacheco de Oliveira, 2001:224).
           
            Criada para continuar o exercício da tutela do Estado sobre os índios, a FUNAI tem os seus princípios de ação baseados no mesmo paradoxo fundador do SPI: o “respeito à pessoa do índio e às instituições e comunidades tribais” associado à “aculturação espontânea do índio” e à promoção da “educação de base apropriada do índio visando sua progressiva integração na sociedade nacional” (Magalhães, 2003:85-86). Na prática, tal como o SPI, o respeito à cultura indígena está subordinado à necessidade de integração e o estímulo à mudança (aculturação) como política prevalece. O foco da ação seria o patrimônio indígena, renda manipulada para diversos fins, desde o financiamento de projetos indigenistas a iniciativas administrativas.
           
2.4 O SÉCULO XX E O IMAGINÁRIO SOBRE OS INDÍGENAS
           
            No início do séc. XX, influenciado pela literatura e pela imprensa, sobrevivia o estereótipo romântico do “bom selvagem” que circulara no séc. XIX. Os contatos estabelecidos pelas Comissões de Linhas Telegráficas com índios “selvagens” (identificados com a imagem colonial dos “índios bravos”) ampliavam nas metrópoles o interesse por notícias sobre o interior do país. Os principais jornais divulgavam com regularidade as reações dos índios diante dos militares e dos sertanistas comandados por Rondon.
            Os censos realizados em 1900, 1920, 1940, 1950 e 1980 não individualizavam a população indígena do país, classificando-os conjuntamente com categorias sociais que indicavam a mestiçagem e situando-os entre os brasileiros “pardos”. As concepções sobre o branqueamento e posteriormente a valorização da mestiçagem ganharam sucessivamente “status” de ideologia oficial do país (Pacheco de Oliveira, 1999a). A obra Casa grande e senzala, de Gilberto Freyre, desempenhou um papel importante em relação à valorização do mestiço.
            O casamento de Diacuí, índia do povo Kalapalo do Alto Xingu, com o sertanista Ayres Cunha, em 1952, na Igreja da Candelária, no Rio de Janeiro, colocou em conflito essas duas imagens dos índios: de um lado, estavam aqueles que em uma vertente romântica defendiam o isolamento e a pureza das culturas tradicionais; do outro, os que faziam a apologia da mestiçagem, do casamento como símbolo da nação, pressupondo a integração dos índios ao povo brasileiro (Freire, 1990).
            Desde os anos 60, o antropólogo Roberto Cardoso de Oliveira vinha identificando no âmbito urbano algumas representações sobre os índios, denominadas por ele de: 1. mentalidade estatística; 2. Mentalidade romântica; 3. mentalidade burocrática; 4. mentalidade empresarial (Cardoso de Oliveira, 1972). Os “estatísticos” acreditavam que os índios eram irrelevantes no conjunto da sociedade brasileira. Os “românticos” tinham uma visão estereotipada, ingênua, do “bom selvagem”. Os “burocratas” viam os índios de forma indiferenciada, como qualquer cidadão sem recursos, com poucos direitos garantidos, enquanto os “empresários” só valorizavam o índio trabalhador, sugerindo o rápido abandono da cultura indígena e a incorporação dos índios às unidades de produção econômica.
            O surgimento de lideranças indígenas complexificou as imagens sobre eles, agora inseridos na luta pela redemocratização do país. Durante a década, filmes como “Uirá” e “Terra dos Índios” colocaram em cena o índio rebelde, lutando pela sobrevivência cultural, ao contrário da mídia que retratava as atividades de atração e pacificação como espetáculos exemplares (ainda que suas conseqüências fossem fome, doenças e mortes).
            Superando a censura do regime militar e da FUNAI, os índios construíam uma nova imagem com a criação do movimento indígena e a participação em foros internacionais, como o IV Tribunal Russel (1980). Como represália aos interesses regionais contrariados por suas atitudes de afirmação política, líderes como Ângelo Kretan (Kaingang) e Marçal de Souza (Guarani) foram assassinados. Entre as ações vitoriosas, Mário Juruna foi eleito deputado federal pelo Rio de Janeiro (1982-1986) e outros líderes como Ailton Krenak, Marcos Terena, Davi Yanomami e Paulinho Paiakan (Kayapó) ganharam repercussão internacional pelo trabalho político de organização indígena. A ECO-92 permitiu a circulação internacional das reivindicações indígenas.
            Nos últimos anos, os próprios índios passaram a produzir e a veicular imagens em vídeo, divulgadas pelas aldeias e pelos fóruns urbanos. As organizações indígenas, através de publicações, vídeos, CDs e seus sites têm procurado manter informada a opinião pública não só das demandas e propostas políticas indígenas, mas também sobre a sua cultura.


            A proposta governamental de “emancipação” dos índios, que envolvia a perda dos seus territórios, estimulou o surgimento de novas lideranças indígenas, aproximando-as dos movimentos políticos da sociedade civil
            As assembléias indígenas permitiram o conhecimento da diversidade de povos e culturas indígenas existentes no Brasil. Enquanto aprendiam sobre os diferentes modos de viver – as línguas, as culturas, as crenças – também instrumentalizavam a categoria “índio” para unificar reivindicações e lutas por direitos.
            Os saberes indígenas respondem às suas necessidades e desejos. Suas crenças, valores, tecnologias etc. provêm de um conhecimento comunitário prático e profundo gerado a partir de milhares de anos de observações e experiências empíricas que são compartilhadas e orientadas para garantir a manutenção de um modo de vida específico. Esta constatação é importante para desconstruir a idéia preconceituosa de que os índios são incapazes de assegurar a sua própria sobrevivência e, por isso, precisam dos brancos para ensiná-los a viver. É óbvio que os conhecimentos científicos e tecnológicos da sociedade moderna são importantes e desejáveis para aperfeiçoar suas condições de vida, como é o desejo de toda a sociedade humana. Mas isso não significa que sem eles os índios não possam se manter.             Como se explicaria então o desenvolvimento de centenas de complexas civilizações autóctones no continente americano milhares de anos antes da chegada dos europeus? Se alguns povos indígenas na atualidade de fato passaram a depender da tutela assistencial do Estado para sobreviver, é porque foram conduzidos a essa situação pelo processo violento de colonização, principalmente pela expropriação de seus territórios e saberes e suas culturas. Os principais saberes indígenas estão ligados à percepção e à compreensão que eles têm da natureza, e se manifestam no trabalho, nos ritos, nas festas, na arte, na medicina, nas construções das casas, na comida, na bebida e até na língua, que tem sempre um significado cosmológico primordial.
           
            Apesar da alta consciência indígena e das leis mais favoráveis à proteção dos conhecimentos tradicionais, muitos saberes estão desaparecendo diante da pressão da cultura dominante e da globalização. Os povos indígenas não são passivos. A memória tradicional é sempre capaz de agregar informação nova.
           
3. METODOLOGIA
Neste capítulo, apresentam-se os fundamentos metodológicos deste estudo. Inicialmente, caracteriza-se a pesquisa quanto à sua natureza, objetivos e procedimentos. Em seguida, descreve-se a população e a amostra. Por fim, esclarece-se como serão colhidos e analisados os dados neste estudo.          

3.1 CARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA
            A pesquisa tem importância fundamental no campo das ciências sociais, o que a torna mais valorizada no conhecimento e na compreensão do mundo cada vez mais globalizado. São vários os conceitos de pesquisa, pois muitos autores diferem na sua linha de pensamento. Para Asti Vera (1979, apud, MARCONI e LAKATOS, 2002, p. 15),
o significado da palavra não parece ser muito claro, ou pelo menos, não é unívoco, pois há vários conceitos sobre pesquisa, nos diferentes campos do conhecimento humano. O ponto de partida da pesquisa encontra-se no problema que se deverá definir, examinar, avaliar, analisar criticamente, para depois ser tentada uma solução.

            Ander-Egg (1978, apud, MARCONI e LAKATOS, 2002, p. 15) parte de uma reflexão mais crítica e entende a pesquisa como um “procedimento reflexivo e sistemático, controlado e crítico, que permite descobrir novos fatos ou dados, relações ou leis, em qualquer campo de conhecimento”.
            Uma das finalidades da pesquisa, segundo Selltiz et al (1965, apud, MARCONI e LAKATOS, 2002, p 16) é “descobrir respostas para questões, mediante a aplicação de métodos científicos”.
            Quanto à natureza, seguindo a classificação de Cervo e Bervian (1996), esta pesquisa pode ser classificada como aplicada, uma vez que “o pesquisador é movido pela necessidade de contribuir para fins práticos mais ou menos imediatos, buscando soluções para problemas concretos” (CERVO E BERVIAN, 1996, p. 47). No caso, visa-se determinar como os indígenas dialogam com a cultura moderna ocidental sem perder de vista sua cultura ancestral e com isso, prover informações que possam auxiliar no desenvolvimento de políticas públicas que garantam as práticas da cultura ancestral nos territórios indígenas.
            Na classificação de Best (1972, apud MARCONI E LAKATOS, 2002, p. 20), esta é uma pesquisa descritiva, uma vez que “delineia o que é [abordando] quatro aspectos: descrição, registro, análise e interpretação de fenômenos atuais, objetivando o seu funcionamento no presente”. Também Roesch (2005) nos mostra que a presente pesquisa é descritiva:
           
(...) se o propósito do projeto é obter informações sobre determinada população: por exemplo, contar quantos, ou em que proporção seus membros têm certa opinião ou característica, ou com que freqüência certos eventos estão associados entre si, a opção é utilizar um estudo de caráter descritivo. (ROESCH, 2005, p. 130)

            Na classificação de Rummel (1972, apud MARCONI E LAKATOS, 2002, p. 21), esta pesquisa pode ser classificada como social, pois pesquisas desse tipo “visam a melhorar a compreensão dos indígenas em relação a sua própria cultura e a cultura ocidental.
.           Quanto à metodologia, desenvolve-se aqui um estudo de caso, o qual, segundo Cervo e Bervian (1996, p. 50), “é a pesquisa sobre um determinado indivíduo, família, grupo ou comunidade, para examinar aspectos variados de sua vida”. Mas, dentro da classificação de Rummel, esta pesquisa também tem um caráter bibliográfico, uma vez que se analisam documentos da instituição e outras fontes bibliográficas para tentar compreender e discutir os fenômenos observados.

3.2 POPULAÇÃO E AMOSTRA
            População é o “conjunto de seres animados ou inanimados que apresentam pelo menos uma característica em comum” (MARCONI E LAKATOS, 2002, p. 41). Nesta pesquisa, a população é constituída pelos Manchineri da Terra Indígena Mamoadate e Manchineri do Guanabara, todos localizados no Rio Iaco, que como povo indígena é considerado autóctone, ou seja, originários, praticantes no passado da cultura oral, da memória e das histórias como forma de transmitir seus conhecimentos ancestrais;
            Já a amostra é “uma porção ou parcela, convenientemente selecionada do universo (população); é um subconjunto do universo”. (MARCONI E LAKATOS, 2002, p. 41). A amostra, neste estudo, é não-probabilística, intencional, por acessibilidade, pois, conhecendo a população a ser estudada, procurar-se-á a que estão em contato permanente com a cultura ocidental, ou seja, professores, lideranças que atuam no Movimento Indígena e que ocupam cargos públicos por ser mais prontamente acessíveis (dadas as limitações de tempo, tanto do pesquisador quanto dos entrevistados).

3.3 TÉCNICA DE COLETA DE DADOS

            Coleta de dados é a “etapa da pesquisa em que se inicia a aplicação dos instrumentos elaborados e das técnicas selecionadas, a fim de se efetuar a coleta dos dados previstos”. (MARCONI E LAKATOS, 2002, p. 32 ). A técnica adotada nesta pesquisa para a coleta de dados será o questionário, devido à possibilidade e facilidade de abranger maior número de Manchineri. Além disso, o questionário é “a forma mais usada para coletar dados, pois possibilita medir com melhor exatidão o que se deseja”, como destacam Cervo e Bervian
(1983, p. 159). O questionário terá perguntas fechadas complementadas com uma pergunta aberta.


4.  RESULTADOS ESPERADOS
            Através do resultado da pesquisa, publicar a tese de mestrado e retorná-la a população pesquisada, no caso os Manchineri para que a mesma possa servir como instrumento para construção de políticas públicas na área de preservação dos conhecimentos ancestrais do povo.

5. CRONOGRAMA
ATIVIDADE

1
 2
3
4
5
6
7
8

9
10
Delineamento do tema e objetivos


X










Revisão da literatura

X

X

X

X

X

X

X

X

X

X
Estabelecimento da trajetória metodológica


X









Preparação do instrumento de pesquisa



X









Encaminhamento para a orientadora


X









Ajustes no instrumento de pesquisa


X









ATIVIDADE

11
 12
13
14
15
16
17
18
19
20
Efetivação da pesquisa de campo


X

X

X










Análise das informações





X

X

X




Encontro mensais para avaliação


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X

X

X

X

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X

X

X

X
Produção de relatório parcial








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Revisão do trabalho









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Produção do relatório final









X

5. BIBLIOGRAFIA
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